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Mottaina.i 勿体無い: uma qualidade a apreciar

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Mottaina.i 勿体無い: uma qualidade a apreciar

Com uma nova palavra, um novo coração. Juntamente com o budismo introduzido no século VI, concepções exteriores começaram a penetrar no Japão, primeiramente entre as gentes aristocráticas, e a se amalgamar a experiências nativas conforme se espraiaram, sempre permeando-se de mudanças no tempo.

Motta, substantivo composto dos ideogramas que denotam “negar” e “corpo”, veio com o sentido búdico de “o corpo [valor, caráter] verdadeiro das coisas”, a indicar a importância de todos os seres, animados ou inanimados, que compõem o mundo.

Com a conexão da partícula nai que indica negação, mottainai muda de categoria gramatical e se torna um qualificativo, a significar “perder o corpo [valor, caráter] verdadeiro das coisas”, e sua significação sofre mudanças culturais. A começar por “ser inconveniente para os kamis, budas e pessoas importantes, não entregar o devido" (em obra anônima Relatos da rebelião Meitoku, 1392-1396, primeira das narrativas de guerra, como pacificação de espíritos). Passa a ter o sentido de “ser inconveniente, ficar em dívida com alguém, ser demais” (exemplos em peças curtas cômicas kyōgen do século XVII. Encontram-se registros, por exemplo, com o sentido de “ter aparência de se dar ares de grande respeito; ser arrogante” (como em obras de Ihara Saikaku, 1642-1693); ou o de “ter a aparência, conhecer o peso das coisas” (no pincel de Chikamatsu Monzaemon, 1653-1724, em As batalhas de Coxinga, de 1715).

Finalmente, alcança o sentido mais conhecido atualmente de “sentir pena pelo resultado inútil de não se ter conseguido fazer brilhar o valor das coisas [desperdiçar]”. Se descartamos um objeto que ainda pode ser utilizado, isso é mottainai. Gastar o tempo tagarelando é mottainai. Assim também o grão de arroz abandonado na tigela. Saber quando ou o que é “desperdício”, entretanto, nem sempre é fácil.

Uma pessoa pode ser julgada mottainai caso pretenda se casar com outra (por lhe ser muito superior); podemos utilizar palavras mottainai em relação aos outros (elogiá-los em demasia). Conhecer o valor das coisas, apreciá-las, cultuá-las mas valorizá-las em excesso pode ser observado nos tsukumo-gami 付喪神 (objetos domésticos animados), um tipo de yōkai 妖怪 (demônio, fantasma, aparição, espectro, ser fantástico) que assombram existências apegadas. Uma reverência superlativa por objetos pode ser observada no culto a espadas, tigelas de chá, pincéis de caligrafia, caixas variadas, guarda-chuvas, quimonos, bonecas, trens e etc.

Em muitas formas, uma atitude mottainai se mostra como humildade ontológica para com os problemas ambientais. Depois do desastre de Fukushima, colocam-se de modo muito claro desafios como os de alimentação, ar, água e energia atômica. Daí que o movimento ambiental tenha surgido como resposta a uma industrialização excessiva e selvagem. Atitudes que consideram soluções que minimizem o uso mottainai se somam para combater a poluição, a destruição conectada com resíduos da indústria de metais pesados. O carma dos resíduos recai sobre nós, pois estamos fundamentalmente ligados numa rede interdependente de causalidade com tudo que existe fora de nosso corpo.

O qualificativo mottainai, portanto, traz à consciência contemporânea a necessidade de nos conectarmos ao ambiente de um modo humilde e respeitoso, sem desperdícios, atribuindo o devido valor a todas as matérias, numa interpretação animística de novas ecologias.

Madalena Natsuko Hashimoto Cordaro
Docente sênior do Programa de Poéticas Visuais da ECA/USP

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Sobre a autora

Madalena Hashimoto Cordaro lecionou literatura japonesa na FFLCH-USP de 1990 a 2016. Atualmente está filiada ao Programa de Poéticas Visuais da ECA-USP. Entre as principais exposições encontram-se: Transpacific Borderlands - The Art of Japanese Diaspora in Lima, Los Angeles, Mexico City, and São Paulo (2017), Identidades e identificações (2016), Das dez mil faces (2008). É autora dos livros: A erótica japonesa na pintura e na escritura dos séculos XVII a XIX (São Paulo: Edusp, 2018, 2 vols) e Ukiyo-e pinturas do mundo flutuante (São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2008, 2 vols), além de assinar traduções, artigos e capítulos.

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