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O Pioneirismo de Aida dos Santos

Conheça a história da única atleta feminina da delegação brasileira na Olimpíada de Tóquio em 1964

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Aida dos Santos: a única brasileira a competir na Olimpíada de Tóquio em 1964

Duas Olimpíadas, uma no salto em altura e outra no pentatlo moderno. Aos 84 anos, ainda pratica vôlei na categoria masters. Aida dos Santos, uma mulher das pistas, das quadras, piscinas, com formação em geografia, educação física e pedagogia e que começou a escrever seu nome na história olímpica brasileira em 1964, nos Jogos de Tóquio.

Se na Vila Olímpica, nos estádios e nas instalações de Tokyo 2020 cerca de 49% dos atletas são mulheres, número recorde entre todas as edições, o cenário era bem diferente na primeira vez que a capital japonesa recebeu os Jogos. Na delegação brasileira, por exemplo, a diferença ficou ainda mais evidente: Aida era a única mulher do Brasil a competir nos Jogos de 1964.

Caronas e incentivos

Em conversa com Eric Klug, presidente da Japan House São Paulo, Aida dos Santos conta sobre o início no esporte, as dificuldades e a experiência de conhecer o Japão em 1964.

Aida dos Santos, natural de Niterói, estudava em um colégio semi-interno e, nas folgas aos domingos, convidava colegas para jogar vôlei, seu esporte favorito, e pegava uma carona com a vizinha, que praticava atletismo até o complexo esportivo Caio Martins.

A falta de quórum para os jogos e o racismo eram dois empecilhos: "negros não jogavam voleibol. Os clubes não aceitavam negros no vôlei", conta Aida. Enquanto isso, a amiga do atletismo a convidava para os treinos de salto em altura, mas a resposta era sempre a mesma: “não, não gosto disso, vocês querem me cansar”.

Até que um dia, por sorte ou azar, veio o ultimato: “hoje é o último dia que te levo para o vôlei se não tiver quórum. Se você não quiser ir pro atletismo, fazer salto em altura, você vai voltar para casa a pé".

 

“Medalha não enche a barriga de ninguém”

Melhor gastar a sola do sapato nos treinos. Logo no primeiro salto, ainda sem nenhum treinamento, Aida conseguiu 1,40m de altura, apenas 5cm abaixo do recorde estadual do Rio de Janeiro. A chuva responsável pelo adiamento da primeira competição em que estava inscrita foi o que deu a chance de Aida explicar o porquê de não ter comparecido:

Mais uma vez, quem aparece é a amiga das caronas, que mentiu para o pai de Aida, dizendo que ela iria apenas assisti-la na competição. Resultado: Aida dos Santos ganhou a prova, saltando 1,50m. Os recortes de jornal a chamavam de maior revelação depois dos jogos de Roma: “eu nem sabia o que era Olimpíada, esse negócio de Roma 60”, brinca Aida.

"Ganhei medalha na competição e pancada em casa...". Na hora de mostrar a medalha para o pai, a primeira pergunta foi se ela havia levado dinheiro também: “Medalha não enche a barriga de ninguém”, disse o pai, que completou dizendo que “pobre tinha que trabalhar para ajudar em casa”.

Chegada a Tóquio

Depois de conseguir índice olímpico no Troféu Brasil, que teoricamente já garantiria a vaga para os Jogos, foram várias as etapas estaduais de classificação. Mas a decisiva aconteceu em 07 de setembro de 1964, na pista Célio de Barros, no complexo do Maracanã.

Aida foi avisada apenas no dia anterior e, precisando fazer o serviço doméstico antes da competição, conseguiu chegar ao local apenas na hora da prova. Marca de 1,65m repetida e passagem para Tóquio assegurada.

Além de ser a única mulher na delegação brasileira, também era a única representante do atletismo. Chegando ao Japão, a imagem dos filmes de ação a assustava um pouco: recebida em Tóquio com perguntas como “O que você acha dos japoneses?”, a resposta foi bastante sincera: “vocês são muito sinistros, só conheço vocês através de filmes, estão sempre sorrindo e enfiando as facas uns nos outros”, relembrou Aida.

Apesar das dificuldades, a relação foi de muito carinho com os japoneses em meio aos esforços de comunicação. Já na chegada, para o preenchimento das fichas, foi a melodia universal do "Parabéns pra Você" cantada pelos funcionários na Vila Olímpica que a ajudaram a decifrar o espaço indicado para preenchimento da data de nascimento.

 

Aida recorda-se com bastante carinho do senhor Katayama, responsável pela delegação brasileira em 1964, uma das pessoas que mais a ajudou durante os dias no Japão. Já falecido, é a esposa dele, que estuda português, que mantém contato com Aida através de cartas.

Quando Aida jogava pelo masters de vôlei do Clube Militar do Rio de Janeiro, foi a gravação de uma equipe jornalística japonesa que levou revistas da época dos Jogos em que Katayama aparecia para mostrar a ela e realmente provar que ela era a Aida de quem ele tanto falava.

 

Passeios de bicicleta para aliviar a tensão

Os passeios de bicicleta pela Vila dos Atletas eram o que mais a distraía em meio à incerteza. Desde o desfile, vestida com a roupa de um campeonato ibero-americano que disputou na Espanha, até o uniforme cinza que usava para os treinamentos, sem nenhuma indicação que era do Brasil. “Eles deviam ficar pensando: ‘De que África é essa negra?''', conta Aida.

 

O cubano Lázaro Bittencourt foi quem auxiliou Aida a conseguir material para competir.No dia da competição, depois de ser deixada sozinha no estádio, seguiu disfarçadamente as outras atletas para se atentar aos protocolos e descobrir qual o local em que deveria estar.

“(Na final) depois de 1,74m, eu não tive condição psicológica para saltar mais. Eu esfriei, só estava ali porque era obrigação, eu tinha que estar. Me chamavam, eu ia para o salto, derrubava o sarrafo, derrubava o poste. Eu não tinha mais condição psicológica para continuar na prova. (...) Quando terminou a eliminatória, eu vi o estádio cheio e não tinha uma bandeira do Brasil, pra eu pedir socorro, aí cada vez fui esfriando mais”, lembra.

"Eu só pensava 'vou pra final'". Mesmo com toda dificuldade, chegou no objetivo e muito perto do pódio, ficando na quarta colocação: sua adversária pela terceira colocação, a soviética Taisia Chenchik, chegou a falhar o primeiro salto em 1,71m e só completou o salto em 1,76m, que garantiu a medalha de bronze, na terceira tentativa. Completaram o pódio a romena Iolanda Balaş, com a medalha de ouro, e a australiana Michele Brown, com a prata.

 

Esporte é cultura

A história olímpica da família não termina por aí. Aida dos Santos também fez parte da delegação brasileira nos Jogos seguintes, em 1968, desta vez no pentatlo moderno, completando a prova em 20º, depois de competir mesmo lesionada.

Quarenta e quatro anos depois de 1964, em 2008, foi a vez da filha de Aida fazer história nos Jogos Olímpicos. Valeska dos Santos, junto com a equipe de vôlei feminino, conquistou a medalha de ouro em Pequim, justamente no esporte em que a mãe não teve oportunidade de competir profissionalmente no início da carreira.

“Se não fosse o esporte que eu pratiquei, não estaria aqui. A gente vai conhecendo outras pessoas, outras culturas. Meus filhos começaram a fazer natação com quatro anos de idade. Não quer natação? Vai fazer basquete. Não quer basquete? Vai pro judô. Esporte pra mim é cultura”, completa Aida.

 

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