Bancha: o chá do povo
Bancha é um termo geral utilizado para chás populares e de valor acessível, ao contrário do matcha e do gyokuro, que são geralmente considerados itens de luxo. Porém, por não ter uma definição exata, vários chás são chamados de "bancha" em diferentes regiões, com uma variedade de métodos de produção. Abaixo, estão três das inúmeras variedades de bancha, que, segundo uma teoria, chegam a centenas.
Kyo-bancha
O “kyo-bancha” é bastante familiar para os que moram em Quioto há muito tempo. Quioto é conhecido pelo chá de Uji, mas comparado ao gyokuro e a outros chás, o kyo-bancha é mais integrado à vida cotidiana. É vendido nas casas de chá de Quioto não como souvenir, mas como um chá de uso diário para a população local.
Conhecido também como “iri-bancha”, a característica especial deste bancha é o seu aroma. Junko Kawagoe, do Ippo-do Chaho que trabalha com chás há mais de 300 anos em Quioto, explica que muitos confundem o cheiro do chá com o do tabaco. Ela comenta que “o aroma esfumaçado que não se parece com chá" que enche a boca e, ao mesmo tempo, refresca a garganta, há muito tempo é a favorita do povo de Quioto. Esse sabor incomum é exclusivo do kyo-bancha e não pode ser encontrado nos chás de outras prefeituras.
A maioria das folhas de chá do chá japonês vem de uma árvore chamada chanoki - chá-da-índia, com nome científico: Camellia sinensis. Caso os galhos de chanoki não sejam adequadamente cuidados após a colheita para a produção de matcha e gyokuro, isto impacta na colheita de chá do ano seguinte. Assim, grande parte da árvore é cortada, e as folhas e ramos coletados neste momento são torrados para a produção do "kyo-bancha".
A torrefação dos ramos e das folhas, que ocorre em uma grande chapa de ferro - aquecida até ficar vermelha, produz um aroma forte e característico, além de ter um leve sabor adocicado por conter ramos grandes.
O kyo-bancha tem menos cafeína do que os chás gyokuro ou sencha devido a esse profundo processo de torrefação. Como resultado, ele pode ser consumido por todos, desde bebês recém-nascidos até idosos. De acordo com a Kawagoe, o chá está tão intimamente integrado à vida cotidiana que "alguns dos funcionários tomavam kyo-bancha na mamadeira".
Em Quioto, os acompanhamentos servidos em uma refeição normal, e não em ocasiões formais ou de omotenashi, são chamados de "obanzai". “Ban” significa “habitual” ou “modesto de baixa qualidade”, assim, em vez de preparar em um bule kyusu, é comum preparar uma grande quantidade de kyo-bancha de uma só vez numa chaleira, para que possa ser tomada a qualquer hora do dia, de manhã, de tarde ou à noite. O kyo-bancha é, portanto, um "chá secreto", por assim dizer, que o povo tem apreciado em suas vidas simples por trás da cultura deslumbrante de Quioto.
Awa-bancha
O awa-bancha é um chá consumido em Tokushima, situado no leste de Shikoku. Embora seja um chá para crianças e adultos tomarem no dia a dia, a produção é bastante limitada devido ao processo de produção tradicional todo feito à mão.
O chá tomado ao redor do mundo pode ser dividido em dois grupos: o "chá fermentado", que inclui o chá preto e o chá oolong, e o "chá não fermentado", representado pelo gyokuro e pelo sencha no chá japonês. O awa-bancha é classificado como “chá fermentado”, bastante raro entre os chás japoneses clássicos. Se comparado ao chá preto, que é totalmente fermentado, ele é classificado como um "chá pós-fermentado", muito raro no mundo, já que a fermentação é realizada depois de fervida no caldeirão, que resulta na perda das enzimas das folhas de chá.
O Etsuji Yuasa, que produz este chá por várias gerações, comenta que a principal característica do awa-bancha é o seu sabor profundo, refrescante e levemente azedo produzido pelas bactérias ácido-láticas. É dito que a colheita de chá no Japão é feita aproximadamente na “hachiju-hachiya" - ou 88 noites. Diz-se que o ideal para a colheita é o 88º dia contado a partir do primeiro dia da primavera - por volta de 4 de fevereiro, ou seja, por volta de 2 de maio.
Por outro lado, a colheita do awa-bancha é realizada por volta de julho, após o término do hachiju-hachiya. Yuasa explica que, por esse fator, a escrita dele não é “番茶"- bancha”, e sim ”晩茶" - bancha [*晩=tardio], cujo som é igual, porém o ideograma a letra é diferente.
Em comparação ao gyokuro e outros chás produzidos a partir de folhas novas e macias, o awa-bancha é feito de folhas duras e maiores colhidas tardiamente - de modo que a teanina, componente de umami, se torna mais abundante nas folhas de chá, que quando passam pelo processo de fermentação, produz um sabor profundo.
As folhas e ramos colhidos são fervidas em um caldeirão de ferro, esfregadas e amassadas para quebrar as fibras das folhas de chá e fermentadas lentamente num grande barril de madeira por duas a três semanas. As bactérias ácido-láticas, fundamentais para a fermentação, são produzidas a partir de bactérias encontradas nos barris dos produtores de chá.
Existem várias teorias sobre a origem do awa-bancha, que é fabricado utilizando um processo muito raro no Japão. Diz-se que ele foi introduzido há cerca de 1.200 anos pelo Kōbō-Daishi, mas Yuasa acredita que, por utilizar barris grandes na produção, pode ter vindo da Prefeitura de Wakayama através do mar. Não há documentos que descrevem o processo de fabricação do awa-bancha - ele existe há tanto tempo que não existem registros. A cultura do chá, que foi preservada e transmitida de boca em boca, ainda está presente em Tokushima.
Goishi-cha
A Prefeitura de Kochi é prestigiada com a brisa do mar que sopra das Montanhas de Shikoku e tem um clima agradável com condições ideais para o cultivo de chá de alta qualidade. O goishi-cha, um bancha produzido na pequena cidade Ōtoyo, cercada pelas Montanhas de Shikoku, na província de Kōchi, é um dos chás mais populares ainda hoje depois que seu método de produção, que estava quase perdido, foi recuperado.
O goishi-cha é caracterizado pelo sabor pouco adstringente, adocicado e, ao mesmo tempo, fortemente azedo. Seu sabor semelhante ao do vinho tinto é único e não pode ser encontrado em chás de outras regiões. Yuji Yoshimura, da Cooperativa de goishi-cha da cidade de Ōtoyo, o chama de "chá de tsukemono" - picles. O goishi-cha (foto abaixo), que é um chá de "fermentação completa" produzido a partir de dois estágios, a fermentação anaeróbica e a fermentação aeróbica, contém altos níveis de bactérias ácido-láticas vegetais assim como os picles, e há muito tempo é considerado benéfico ao estômago e ao intestino pela população local, que não apenas o tomava como chá, mas também o apreciava como chagayu (mingau de chá). Também era indispensável na cozinha, pois era utilizado para remover odores e amaciar a carne no cozimento.
O processo de produção consiste em vaporizar as folhas de chá colhidas, espalhá-las no tapete de palha por cerca de uma semana e fermentar utilizando fungos de mofo. Depois, são colocadas em um barril grande tampado com um peso em cima e marinadas por várias semanas, como os picles.
As folhas de chá retiradas do barril são cortadas em quadrados de 3 a 4 cm e secadas ao sol por três dias. Como a aparência das folhas nesse momento se assemelham às pedras do Go, tradicional jogo de tabuleiro, o chá passou a ser chamado de goishi-cha.
O chá passou por uma crise na década de 1980: sabe-se que o goishi-cha é produzido há cerca de 400 anos e durante a Era Taisho (1912-1926), havia várias centenas de produtores na cidade, mas como o trabalho era muito árduo, muitas pessoas passaram a optar pela silvicultura e outros setores, restando apenas um produtor na década de 1980. Frente a essa situação, foi criada uma cooperativa para herdar os métodos de produção que haviam sido preservados pelo por esse único produtor. O número de produtores vem aumentando gradualmente, com a melhoria do controle de qualidade.
Atualmente, ganhou popularidade como bebida saudável e tem sido apresentada na mídia, enquanto pesquisas acadêmicas também são realizadas, sendo que alguns pesquisadores acreditam que ele possui efeito de redução da pressão arterial e prevenção da gripe. O goishi-cha entrou em decadência por um tempo devido ao esforço necessário para sua produção, mas, graças ao esforço contínuo e incansável dos agricultores, a tradição continua sendo preservada.
Fontes:
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