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O segredo da estética oculta no jardim japonês

Leia e saiba mais sobre a investigação de uma parte do profundo mundo espiritual que reside na estética da história do jardim japonês.

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Seguir a natureza e moldá-la: o segredo da estética oculta no jardim japonês

O jardim tradicional estilizado com árvores, pedras, areias, água, lagos, pontes e casa de chá posicionadas de forma pitoresca e estética é chamado de japonês (nihon teien - 日本庭園). A história dos nihon teien se baseia no pensamento e filosofia japoneses de “como expressar a beleza da natureza”.

Imagem de uma casa de chá em um jardim japonês

A estética descoberta pelos aristocratas do período Heian

Diz-se que a consolidação do jardim japonês como um estilo particular nipônico foi no período Heian (794 a 1185). Nessa época, as residências dos aristocratas eram grandes e luxuosas mansões construídas no estilo chamado neshinden. Além das casas, eles construíam imensos jardins com lagos e rios, tão impressionantes que era possível divertir-se com pequenos barcos, com espaço dedicado à pesca chamado tsuridono, que era construído sobre a água.

Jardim japonês com lago e árvores

“Uma das características dos jardins dessa época é o pensamento de seguir a natureza" comenta Tomoki Kato, herdeiro da 8º geração de Ueya Kato Zoen, empresa de paisagismo que opera há mais de 170 anos na cidade de Quioto. Kato atua também como professor universitário na Escola de Pós-Graduação da Universidade de Arte de Quioto (Ph.D.). Segundo ele, “os jardins japoneses desse período refletem a ideia de gokuraku jodo (terra pura), mas também dão ênfase na ‘reprodução da grandiosidade da natureza dentro do jardim".

Imagem de um manuscrito japonês sobre a construção de jardim

Considerado como o mais antigo manuscrito japonês sobre a construção de jardim, Sakuteiki, foi escrito pelo aristocrata Tachibana No Yoshitsune (1028~1094). Nele há uma passagem que menciona que o mais importante na construção dos jardins é: “relembrar as famosas cenas de diferentes áreas, fazer dos seus destaques o seu próprio, e construir um jardim seguindo vagamente a sua visão geral”.

Imagem de um jardim japonês

A paixão extraordinária pelos jardins

Essa noção de incorporar a paisagem real dentro do jardim como miniatura chama-se shukkei (paisagem em miniatura). Os aristocratas deste período tinham uma paixão extraordinária pelos jardins e tentavam incorporar perfeitamente as belas paisagens da natureza de vários lugares. Um dos exemplos disso são as enormes rochas que foram trazidas de praias distantes apenas para reproduzir rochas de regiões acidentadas.

 

“Karesansui” nasceu do pensamento “zen”

Talvez uma das características mais comuns que as pessoas associam aos jardins japoneses seja os belos padrões arranjados sobre a areia e rochas chamadas keiseki. Este estilo de jardim surgiu no período posterior ao Heian, chamado de período Kamakura (1185 a 1333). Diferente dos jardins chamados de jodo teien, estes foram chamados de zenshu teien e são baseados no zen-budismo.

Musō Sōseki (1275-1351), monge que viveu neste período, foi um divisor de águas no que se refere aos jardins. Ele definiu como ideal aqueles que expressam os valores do zen. De acordo com Kato, “esse é o período de ‘moldagem da natureza’' Por exemplo, Musō Sōseki começou a colocar conjuntos de pedras para representar a cachoeira e uma pedra para representar a carpa, expressando o ensinamento da lenda da carpa que subiu a cachoeira, nadando contra a correnteza e se transformou em um dragão. Isso foi incorporado em várias regiões.

Ele tentou expressar o profundo mundo espiritual por meio dos jardins e não apenas uma imitação da natureza. Por isso, ele abstraiu vários elementos que compunham o jardim, utilizando, por exemplo, padrões de areia para representar o fluxo da água em vez de utilizar a própria água. Jardins com esse estilo são chamados de "karesansui".

A transição do período Kamakura para Muromachi (1333 a 1568) foi também quando o poder passou da aristocracia para os samurais. O estilo da arquitetura mudou para o shoin zukuri, que é a origem do atual washitsu (sala presente em casas tradicionais do Japão). Simultaneamente, o papel dos jardins mudou da diversão da aristocracia para um espaço de apreciação da paisagem, onde os samurais observavam calmamente a natureza de dentro das casas. Pode-se dizer que os jardins se transformaram em um espaço filosófico para refletir sobre a vida, acalmar o coração e observar o jardim como uma pintura.

Os jardins no estilo karesansui ainda existem em várias regiões, principalmente em Quioto, e até hoje estão disponíveis para apreciação. As pedras planas que, à primeira vista, parecem ter sido colocadas aleatoriamente, ou os padrões com formato de redemoinho na areia, por exemplo, cada um desses elementos molda um complexo espiritual, possibilitando a exploração de pensamentos profundos sobre a própria existência.

O significado de “estar com a natureza”

Em Sakyo-ku, na cidade de Quioto, o jardim Murin-an, construído como casa de veraneio de Aritomo Yamagata (1838~1922), 3º Primeiro-Ministro do Japão, está aberto ao público para visitação. Kato, que gerencia este jardim há anos, comenta que o que distingue um jardim ocidental do oriental é a “diferença de pensamento em relação à natureza”.

Durante o período Edo (1600 a 1867), o jardim japonês evoluiu para o estilo kaiyu-shiki teien (jardins de passeio), que é a culminação dos estilos anteriores. Os jardins deste estilo foram construídos não apenas para serem observados de dentro da residência, mas também para serem contemplados ao caminhar por eles. Idealizados para receber visitantes, são compostos por um lago central e jardins de diversos estilos, tornando possível apreciar a diversidade da paisagem caminhando por ele. Os atuais Três Grandes Jardins do Japão, Kenroku-en (cidade de Kanazawa), Kairaku-en (cidade de Mito) e Kōraku-en (cidade de Okayama), são do estilo kaiyu-shiki teien.

Jardim japonês com um lago

No período moderno, o jardim japonês entrou na era do "retorno à natureza". Aritomo Yamagata tentou representar a magnífica natureza de sua terra natal através do Murin-an, construído em 1896. A parte frontal do jardim é voltada para o Monte Higashiyama de Quioto. "O tema principal deste jardim é o Monte Higashiyama diante de nós", disse Yamagata, incorporando a paisagem da montanha ao jardim. Esse conceito de integrar a paisagem natural dentro do jardim é chamado de shakkei (cenário emprestado) e é uma forma única de pensar do Japão que remonta ao período Heian.

A característica do jardim japonês

"Passamos do período de simulação da natureza para o período de moldagem. Em seguida, no período moderno, entramos em uma era em que o jardim japonês representa o retorno à natureza. Ou seja, o jardim não significa o controle sobre a natureza, mas sim, a coexistência. Acho que o pensamento centralizado na natureza, em como entendê-la, é a característica do jardim japonês", diz Kato.

O trabalho de jardineiro e o ‘intencionalmente não intencional’

No livro Sakuteiki, escrito no período Heian, há uma passagem que diz: “não importa o quão elaborada seja a criação humana, jamais ultrapassará as formas criadas pela natureza”. Por isso, é preciso observá-la bem e tornar-se alguém capaz de compreender sua beleza. Se não o fizer, não é possível distinguir o que há de bom ou ruim em um jardim.

Mesmo nos dias atuais, o jardim japonês tem como fundamento essa forma de pensar. Por exemplo, mesmo tratando-se de folhas de pinheiro, é considerado ideal apará-las de forma imperceptível. “Construir as árvores da natureza que aparentemente não passaram pelas mãos humanas” é um conceito chamado de musakui no sakui (intencionalmente não intencional).

Kato diz que a dificuldade e o prazer do trabalho do jardineiro é harmonizar o jardim como um todo, imaginando como cada uma das árvores seria vista depois de ter crescido, visualizando também as mudanças sazonais.

 

“Os jardins japoneses não foram construídos apenas de uma única forma contínua. Os jardins karesansui foram uma grande inovação na época em que surgiram. Os jardins japoneses sempre evoluíram refletindo o momento histórico. Essa evolução foi sustentada por inúmeros jardineiros anônimos”.

O jardim Murin-an, construído há aproximadamente 130 anos, também está mudando aos poucos, à medida que as árvores crescem. “Eu posso trabalhar como jardineiro apenas por algumas décadas. Já o jardim continuará crescendo por muito mais tempo. É preciso preservá-lo e cuidá-lo por várias gerações, mas não significa que basta repetir a mesma coisa todos os dias. Todo dia é um dia de criação e isso é o que molda a tradição do jardim japonês”.

Colaboração nas entrevistas 

  • - UEYAKATO LANDSCAPE Co., Ltd
  • - Jardim Murian

 

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